Quando ela disse que ia pintar a vida

Minha sobrinha estava há algumas semanas sob um mote de curiosidade acerca da morte. Vinha perguntando pelos meus antepassados: sua bisavó já morreu? Sua avó já morreu? Já. E qual o nome dela? Meu tataravô já morreu! Vinha perguntando sobre a morte e o morrer assim, todo o tempo, em cada assunto que coubesse.

Não sei de onde vinha a curiosidade, nem os pais souberam dizer também. Com as crianças, algumas novidades surgem como de repente aos olhos adultos; mas, para elas, podem ter sido construídas num tempo cadenciado que nem chegamos a notar. Em dois anos de pandemia, aliás, pensar e falar sobre a morte não deveria ser assim uma novidade tão estranha, né verdade?

E, do jeito mais simples possível que lhe cabe, perguntava aos adultos como era isso, de morrer, de não existir mais aqui, mas, ainda assim, ter uma existência que fica para quem continua vivo. Afinal, a minha avó ainda existe em mim. Minha bisavó também. E seus nomes, quando ditos em voz alta, trazem-nas para perto do meu existir de agora, de certa maneira. De muitas maneiras.

Maria Beatriz vinha com a sorte de ter suas perguntas naturalmente respondidas pelos adultos que dela cuidam. Sem susto nem reprimenda, ouviu as respostas verdadeiras para sua inquietação existencial. No entanto, aqui-ali, nos preocupava um pouco aquela criança curiosa demais sobre a morte; de onde vinha e para onde ia essa curiosidade?

Até que depois de tantos dias assim, Titiz sentou-se à mesa infantil, na sala de ludoterapia, pegou papel branco e coleção e anunciou que ia “pintar a vida”, quando começou a desenhar um colorido jardim. Não era dia de terapia. Ela estava conhecendo a terceira margem e habitando esse espaço como ela bem quisesse, e tomou essa decisão de um jeito bem dela: simples, existencial, potente.

Mal tive tempo de conferir seu desenho e saber mais sobre ele. Ela carregou-o consigo em segurança, levou para os pais. Pintou a vida, fez bem colorido, e foi entregar a quem lhe dera a sua.

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