A criança conversa? Ela fala, conta a história da vida dela? Fala dos problemas da semana e das dificuldades que tem com os pais? E os segredos e brigas com amiguinhos? Deita no divã?
Tudo isso também. Inclusive a parte de deitar no divã, sei de amigos psicanalistas cujos pacientes mirins fazem isso quando sentem vontade! Mas a psicoterapia infantil não é como a do adulto. Não tem como ser, concorda?
A linguagem da criança ainda está em desenvolvimento. Ela ainda está conhecendo, também, os sentimentos existentes, dela e dos outros; está conhecendo as diversas relações que os adultos mantêm entre si (de parentesco, de trabalho, de amizades, de inimizades). A criança é descoberta e aprendizado a cada dia em que vive, a cada dia em que é criança. E é por isso que sua linguagem termina cabendo melhor num outro espaço: o do brincar.
A psicoterapia, então, é espaço para brincar. E é brincando que a criança faz, sim, terapia.
Aprendi assim com minha professora Symone Melo, quando ela parafraseava Merleau-Ponty: “a criança é mais vivencial do que reflexiva”. E é por isso que não se espera que, numa sala de terapia, ela reflita e elabore verbalmente situações pelas quais ela tem passado. O que ela vai escolher fazer (aliás, o que está dentro das suas possibilidades de escolher fazer) é vivenciar tais situações. Dessa maneira, uma situação de separação dos pais poderá ser vivenciada (e então acolhida e compreendida, por ela e pelo psicoterapeuta) numa brincadeira em que os pais moram em casas diferentes. Uma situação de adaptação a uma mudança de cidade pode ser elaborada em repetidos desenhos da cidade anterior, que vão dando lugar a repetidos desenhos de um novo lugar, com as mesmas pessoas dos desenhos de antes. Ou uma criança com auto-cobrança e excesso de competitividade vai experienciar, competindo com o psicoterapeuta nos jogos, o ganhar e o perder, o se frustrar, e vai receber desse adulto o acolhimento necessário quando suas expectativas infantis não são atendidas.
Ser psicoterapeuta de crianças é brincar bastante. Brincar sendo “presença ausente”: a gente está lá, disposto e disponível para o lúdico. Mas também estamos igualmente dispostos a aceitar situações nas quais a criança não quer compartilhar conosco! Então, às vezes, brincadeiras solitárias são igualmente aceitas por nós… que ficamos um pouco recuados, atentos ao que se brinca, a como se brinca, e a qualquer chamado que venha para que a gente participe.
Essa é uma ótima maneira, aliás, de ser com a criança também fora dos espaços da terapia: presença em disponibilidade… Estar disposto para brincar junto quando a criança demandar; estar disposto a silenciar quando a criança quiser estar consigo mesma. E respeitar a autonomia da criança em escolher o que se brinca, sem querer estar sempre coordenando e conduzindo esses pequenos seres humanos.